domingo, 4 de setembro de 2011

OS LABIRINTOS MENTAIS DE LADY MACBETH

          
  Após a estréia de “LADY MACBETH” sábado retrasado – e de ter ouvido alguns comentários –  decidi escrever algo sobre ele. Não com o intuito de explicá-lo (Chico Buarque sabiamente já disse que, quando um artista precisa explicar a arte para o público, um dos dois é burro) mas sim deixar claro - ou obscuros - alguns caminhos que percorremos para sua criação. Na verdade, tomei esta decisão até por sugestão de Escobar Franelas que, do alto do seu conhecimento artístico, não compreendeu – assim como muitos outros artistas presentes – que o volume exagerado da música do Joy Division era proposital. 

GENTE, NÃO TEM NADA NOVO AQUI!
Na verdade, o espetáculo não apresenta nenhum desafio intelectual. Lady Macbeth, após incentivar o marido, Barão Macbeth, assassinar o rei Duncan, vê o marido mergulhar em carnificina para manter o trono da Escócia. Ela enlouquece e atira-se da torre do castelo. O espetáculo representa justamente os momentos de insanidade da rainha, numa retrospectiva non sense de seus atos,  peso na consciência, arrependimento. O que temos em cena é uma louca que delira antes do suicídio. Ainda assim houve gente que saiu dizendo “Gostei, mas não entendi.”... A única coisa a ser entendida é que Lady delira. Para entender estes delírios é necessário conhecer a peça de Shakespeare, com certeza, mas uma pessoa de mente aberta perceberá certamente que o jogo vai neste sentido.

TEXTO NA INTEGRA
Cada cena, cada palavra, cada virgula. Tudo Shakespeare. “LADY MACBETH” é uma colagem de várias cenas do texto original, criando uma linha tênue de sentido ao espetáculo.

NON SENSE E SURREALISMO
O espetáculo trafega entre o surrealismo e o non sense, como nos filmes de David Lynch. Não há um sentido linear até mesmo porque estamos na mente de uma mulher insana que despedaça seus sentidos. Quer entender o quê, cara pálida? (como diria a índia Sueli Kimura).
Graças a esta lógica, nasceram cenas antológicas. Se as idéias iniciais são minhas (o filho despedaçado da Lady, a brincadeira com a luz e a provocação sensorial ao público), Anita também teve suas ótimas idéias e criou um final lírico, poético e rico em simbolismo. Quem tiver olhos pra ver, que veja.

A TRILHA (SONORA) DO SANGUE  
A trilha sonora do espetáculo é um show a parte. Composta por bandas do Reino Unido (Cocteau Twins, Dead Can Dance, Joy Division, New Order) e alguns clássicos da música mundial como Beethoven e Wagner. Cito aqui algumas peculiaridades para que o público possa usufruir melhor da sonoridade do espetáculo:

BEETHOVEN & FOLCLORE BRASILEIRO
Desde “Drácula” (2010) Anita trouxe aquela música aos ensaios “Alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado...” e por aí vai. A canção não foi aceita em Drácula, e  um ano depois ela traz para a Lady. Para abertura do espetáculo, escolhi “Sonata ao Luar”, do Beethoven, para dar uma clima ameno e poético para o inicio do espetáculo, uma falsa promessa de tranqüilidade nos próximos 45 minutos. Primeiro ensaio com som. Solto a música, acendo a luz e Anita entra cantando. Coisa mais linda do mundo. Abrantes juntou Beethoven e o nosso folclore de forma impar! Reconhecendo que está além das minhas capacidades, convido o músico Tarcísio Hayashi para dirigir aquele arranjo vocal. Ele aceita e  une profissionalmente tudo isto, colaborando com uma das mais belas cenas iniciais que já vi em um espetáculo. 

SHE’S LOST CONTROL          
As pessoas ficam muito incomodadas ao ouvirem Ian Curtis cantando “She’s lost control” em volume máximo e cobrindo a voz de Anita Abrantes logo na primeira cena. Na real, o texto, neste momento, não é importante, e sim a referência: Ian Curtis, vocalista da banda britânica Joy Division, que enforcou-se em 18 de maio de 1980. Uma década depois, ao ser questionado sobre a letra de suas canções, Bernard Summer (vocalista do New Order, que surgiu do Joy Division) perguntou ao jornalista quem disse a ele que a letra era mais importante que a música. Isto mudou totalmente meus conceitos cênicos estéticos sensoriais. E podem sair falando mal: o som vai continuar alto!


ELEGIA
Em certa cena, a música instrumental do New Order (Elegia) faz-se de tapete para a piração da Lady. A palavra “elegia” tem o significado de poema triste, consagrado ao luto e a tristeza. Durante um ensaio, disse a Tarcísio Hayashi que a música era do New Order. Ele espantou-se: “New Order, véio? Fazendo este climão!?!”  É, Hayashi. O que é a natureza, não?

LADY MACBETH OF THE MTSENSK DISTRICT
É uma ópera de Dmitri Shostakovich que encontrei acidentalmente na net, ao tentar baixar “Macbeth”, de Verdi.  Durante os ensaios, em conversas com Hayashi, descobrimos semelhanças sonoras entre Shostakovich, Villa Lobos e Arrigo Barnabé. A apropriação desta obra foi tão bem sucedida que até esqueci de Verdi.

VODU
A magia de Lady Macbeth bem que podia ser baseada nos celtas ou coisas assim, mas decidi colocar a macumba em cena. Tem gente que fica incomodada com a possessão da Lady e suas magias bardas ao som de tambores haitiano num vodu que muito lembra os pontos de umbanda e candomblé. Assustador!... E divertido!


RELAXE E VIVENCIE
Entrar em contato com uma mente que delira, se encontra e se perde dentro de um universo shakespeareano é uma experiência impar. Alguns sentem medo, outros mergulham com Lady do precipicio - e há ainda quem se solta no mar das palavras de Shakespeare e navega a deriva. Seja qual for o caminho escolhido, relaxe e vivencie. Lady Macbeth lhe mostrará os sinais sobre o significado da existência humana. .

LADY MACBETH
Da obra de WILLIAM SHAKESPEARE
Traduzido e Adaptado por CLAUDEMIR SANTOS
Interpretada por ANITA ABRANTES
Figurinos de MICHELE DIAS
Arranjo e preparação vocal: TARCISIO HAYASHI
Luz, som & direção: CLAUDEMIR SANTOS
Temporada: SABADO – AS 20H30
Até 24 DE OUTUBRO – ENTRADA FRANCA

Local: CASA AMARELA ESPAÇO CULTURAL
Rua Julião Pereira Machado, 07 – São Miguel Pta. – SP